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07/11/2022

Viabilidade do Minha Casa, Minha Vida gera dúvida no setor (Valor Econômico)

Além do nome, mudou o fato da política passar a depender menos de recursos da União e mais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

Além do nome, mudou o fato da política passar a depender menos de recursos da União e mais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

 

Durante a campanha, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva criticou o programa Casa Verde e Amarela (CVA) por não ter enfoque na população que ganha até dois salários mínimos e prometeu que voltaria com o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), criado em sua gestão e renomeado na de Bolsonaro.

 

Além do nome, mudou o fato da política passar a depender menos de recursos da União e mais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A antiga faixa 1, que atendia famílias com renda de até R$ 1.800 e oferecia moradia até 90% subsidiada por recursos federais, foi substituída no CVA por um grupo 1, que hoje atende famílias que ganham até R$ 2.400, com subsídio de até R$ 47,5 mil. Não é suficiente para atrair empresas para construir essas residências e nem para viabilizar a compra para famílias mais pobres.

 

O foco das incorporadoras que atuam com rendas mais baixas, como Tenda e MRV, tem sido o grupo 2, composto por famílias com renda de R$ 2.401 a R$ 4.400, no qual o subsídio é limitado a R$ 29 mil. Tudo vindo dos lucros do FGTS.

 

Para empresas e entidades do setor imobiliário, a continuidade do programa habitacional do Brasil não é um problema, já que a atenção com o deficit habitacional já era marca do governo petista. No entanto, preocupa a solução que a próxima gestão vai encontrar para conseguir alavancar a produção de moradia para as faixas iniciais do programa, como prometido em campanha, com a volta do MCMV.

 

“Eles falaram que sim [vão voltar com faixa 1], mas tem que anunciar de forma que o mercado não vá enxergar isso como estourar as contas públicas”, afirma Yorki Estefan, sócio da incorporadora Conx e vice-presidente do Sinduscon-SP, sindicato das construtoras do Estado de São Paulo. Isso porque haveria o risco de um estouro orçamentário suscitar mais inflação e aumento de juros.

“Se o governo não tiver disciplina fiscal, o efeito pode ser mais perverso do que benéfico. Você tem a casa, mas não compra comida”, diz um presidente de incorporadora que prefere anonimato.

 

Incorporadoras que atuam no segmento de baixa renda também carregam traumas da antiga faixa 1, porque após 2015, pico de orçamento do programa, pagamentos pelas obras começaram a atrasar e construções ficaram paradas. O mesmo executivo afirma que sua companhia sofreu com atrasos do governo, mas que conseguiu entregar as obras. “Nas condições em que o programa operou antigamente, com recursos do orçamento geral da união, não iremos operar nesse segmento”, adianta.

 

Rafael Menin, copresidente da MRV, também diz que a companhia não teria interesse na faixa 1 se o modelo fosse igual ao anterior, o que demandaria muito dinheiro federal para relativamente poucas moradias. Por exemplo, para fazer 100 mil casas subsidiadas ao ano, ao custo de R$ 150 mil cada, seria preciso R$ 15 bilhões.

O maior orçamento federal que o MCMV teve foi em 2015, de R$ 19,3 bilhões. O valor definido para 2023, porém, é de R$ 34 milhões

 

Menin apoia que o governo coloque mais recursos no programa, mas de outra maneira. “É muito mais eficiente se o recurso vindo do orçamento geral da união entrar como incremento ao subsídio que já existe. Se aumentar em 50%, por exemplo, o programa poderá fazer mais unidades com menos”.

 

Criar espaço no orçamento para destinar ao programa será um desafio. Para Estefan, uma saída seria fazer a reforma administrativa.

“Seria importante vir recurso do governo, que hoje em dia não tem. Teria que haver mudança no orçamento [para 2023], mas isso é possível, dado que é algo de interesse social”, diz Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

 

A incorporadora Pacaembu, que faz casas no interior do país, já trabalhou com a faixa 1, mas hoje se concentra no grupo 2 do CVA. Segundo seu co-presidente, Victor Almeida, a companhia poderia analisar a retomada da produção na faixa de entrada do programa se houver espaço no orçamento. Para ele, a perspectiva do CVA para 2023 já é positiva, porque o orçamento do FGTS para subsídios no programa foi ampliado em R$ 1 bilhão, para R$ 9,5 bilhões. “Dá ânimo, tem espaço para continuar”.

 

Rodrigo Luna, presidente do Secovi-SP, sindicato do setor imobiliário, e um dos fundadores da Plano&Plano, afirma que nos últimos anos, com o teto de gastos, não se conseguiu produzir subsídios suficientes para que as faixas com renda mais baixa da população pudessem acessar a casa própria.

 

A entidade entregou propostas para o setor aos candidatos à presidência, e uma delas é de locação acessível, alternativa para ajudar a fornecer habitação para quem tem dificuldade de adquirir um imóvel, que agora deve ser discutida em detalhe com a próxima gestão.

Outro ponto da mudança da presidência que afeta o setor é a diretoria da Caixa. O banco estatal é responsável por quase 100% dos financiamentos concedidos pelo CVA. Para Estefan, a troca da diretoria atual, que considera “técnica”, por profissionais da política seria “frustrante”. Já França e Luna analisam que a equipe técnica da Caixa é antiga, vem desde a gestão anterior de Lula, e conseguirá manter o programa, mesmo com uma troca no alto escalão.

 

O segmento de média e alta renda tem boas perspectivas para 2023, com a esperada queda de juros a partir de junho do próximo ano, mas os empresários aguardam o anúncio da equipe econômica de Lula para saber se isso continuará no horizonte. “Precisa saber qual governo vem, se o primeiro do Lula, da gestão Meirelles, ou o da Dilma”, afirma Estefan.

 

Matéria publicada em 04/11/2022 

FONTE: VALOR ECONôMICO