Com o afrouxamento de medidas de restrição contra a pandemia da Covid, a cidade de São Paulo foi retomando movimento. Em Pinheiros, a boemia voltou aos bares e ruas. Os praticantes de cooper retornaram às avenidas de Santana, na zona norte. Jardins, Consolação e Vila Mariana voltaram a ter movimento no comércio e calçadas cheias de gente. Parques também ganharam mais vida.
Não foi, porém, o que aconteceu com a Vila Olímpia e com a região das avenidas Engenheiro Luís Carlos Berrini e Chucri Zaidan. Localizado na região sudoeste do município, rente à marginal Pinheiros, esse território povoado por arranha-céus, principal bolsão da cidade de imóveis do tipo laje, muito utilizado pelo universo corporativo, ainda parece vazio, com cenário similar ao de meados do ano passado.
A Vila Olímpia e o corredor da Berrini vivem um esvaziamento mais agudo e de difícil reversão, causado não apenas pela pandemia —e que se torna aparente nos andares escuros depois que anoitece.
Antes dos decretos de estado de calamidade pública nas diversas esferas da administração pública, especialistas já alertavam para esse risco: quanto menos diversa uma região é, ou quanto menos ela mistura comércio, escritórios e residências, maior é a chance de cair em decadência.
Pois a queda está sendo significativa. Antes da pandemia, era difícil andar pelas ruas desses bairros na hora do almoço. Funcionários das empresas que operam (ou operavam) na região caminhavam de seus escritórios até os restaurantes em grandes grupos, fechando a calçada. Depois do expediente, os bares ficavam lotados, com o happy hour mais badalado da cidade. Hoje, até as sextas-feiras são mornas.
Em dezembro de 2019, a vacância dos imóveis corporativos na Vila Olímpia não era alta, correspondia a 10,5% do total. Em 2020, o índice subiu para 24,5%. E, no fim do ano passado, chegou ao nível de 29,4%. Quanto maior a taxa, mais vazia a região. Os dados foram fornecidos pelo Secovi-SP.
"Esses tipos de região urbana que se especializam em uma atividade são problemáticos. O lugar onde existe um mix de atividade se mostra sempre mais resiliente", diz o urbanista Vinicius Andrade, sócio do escritório Andrade Morettin Arquitetos Associados e vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil.
Quando observa os números de vacância da Vila Olímpia, ele diz se tratar de "uma morte anunciada". O urbanista afirma que, mesmo antes da pandemia, "já não existia vida à noite naquela região". "A coisa piorou muito com a pandemia, mas ela já nasceu ruim", diz. "É consenso entre urbanistas que um território ocupado por uma única atividade, naquele caso o de serviços, corre mais risco de entrar em decadência."
As outras duas grandes regiões que concentram imóveis corporativos de São Paulo são a Avenida Paulista e o eixo Jardins-Faria Lima, que se notabilizaram justamente por uma maior mistura de atividades e entre setores comerciais e residenciais. Esse perfil foi importante para garantir a saúde urbana dessas regiões durante o período de pandemia, diz Cristian Baptista, diretor da vice-presidência de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP. Baptista diz que o número de residências da região da Paulista, por exemplo, garantiu a movimentação de pedestres e também a vida do comerciante local.
Ele ainda afirma que os setores de serviços, tecnologia e farmacêutica, notavelmente mais presentes na Vila Olímpia e na avenida Berrini, foram os que mais entregaram as chaves nos últimos anos. Ainda assim, mantém uma visão otimista e prevê uma tendência de retomada para 2022.
Na avenida Paulista, em dezembro de 2019, a taxa de vacância para imóveis corporativos era de 10,7%. No eixo Jardins-Faria Lima, no mesmo período, esse índice era de 6%. A Paulista perdeu um pouco de ocupação, vendo sua taxa de vacância subir para 14,4% no início de 2021 e, depois, para 17% no fim do ano passado. O eixo Jardins-Faria Lima começou o ano de 2021 com cerca de 12% de vacância, e teve alguma recuperação, com 9% no fim do ano, já próximo a níveis pré-pandemia.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, a fuga de clientes foi causada pela transformação das relações de trabalho, com o incentivo ao home office, e pelas medidas de isolamento social. Mas também por causa do ônus de um modelo de contrato que prevê longos prazos de locação no caso do setor imobiliário corporativo que, como lembra Baptista, "exige maior segurança e garantias por causa dos preços".
Houve, em todo o período de pandemia, um esforço por parte dos proprietários para flexibilizar esses contratos, que neste setor são caracterizados por períodos mais extensos do que os 30 meses comuns no setor residencial, podendo chegar até a dez anos. E, mesmo assim, a ocupação caiu.
Em fevereiro, o Senado aprovou projeto de lei que permite que 2/3 dos condôminos de um prédio possam ser suficientes para decidir sobre mudança do perfil do edifício. Seria uma solução para esse entrave. O setor defende poder transformar prédios totalmente corporativos em misto. O PL vai para a Câmara dos Deputados e, se aprovado, precisa ser sancionado pela Presidência.
Embora seja uma medida voltada para a transformação de regiões centrais de metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, que ainda passam por problemas de esvaziamento principalmente durante a noite por causa da ausência de unidades residenciais, essa mesma medida pode representar uma forma de renovar o urbanismo praticado na Vila Olímpia e na região da Berrini.
"Hoje, basta o proprietário de um condomínio para barrar um projeto de retrofit do edifício, e muitas vezes até mesmo esse proprietário está a favor do projeto porém tem uma pendência de inventário", diz Victor Carvalho Pinto, consultor jurídico do Senado para questões urbanísticas.
(Matéria publicada em 06/03/2022)