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09/04/2018

Violência demarca nova geografia de preços de imóveis no Rio

Do lado da venda, sai na frente quem oferece as melhores condições de segurança. Na busca por imóveis usados, aumentou a preferência do comprador por edifícios com serviço de portaria 24 horas, por exemplo.

O primeiro trimestre do ano já faz o mercado imobiliário carioca acreditar que foi dado o primeiro passo da recuperação do setor. As vendas subiram ao menos 15% nos três primeiros meses de 2018, na comparação com o mesmo período de 2017, segundo dados preliminares apurados pela Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ). O principal sinal é a volta dos lançamentos. A provável retomada, no entanto, acontece em uma cidade cuja geografia do mercado imobiliário voltou a ser demarcada pela violência.

A combinação de recessão com alta dos índices de criminalidade resultou em queda no valor do metro quadrado dos imóveis residenciais para venda em 43 dos 52 bairros monitorados pelo Sindicato da Habitação do Rio (Secovi-Rio) entre 2015 e este ano. Há áreas em que o recuo está diretamente ligado a questões de segurança. Em São Conrado, por exemplo, o metro quadrado ficou 10,4% mais barato enquanto os tiroteios voltaram à rotina de comunidades como a Rocinha após a falência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). No Leme, onde a UPP também não impede mais tiros nos morros Chapéu Mangueira e Babilônia, a queda foi de 12,2%. Na Zona Oeste, a Praça Seca desvalorizou 8,7% em meio ao conflito envolvendo milicianos.

— Nos últimos três anos, a recessão já seria inevitavelmente geradora de um ciclo mais difícil para o mercado imobiliário, com as vendas parando, freio nos lançamentos, encarecimento e restrição do crédito e o aluguel em queda. Isso aconteceu em todo o país. Mas no Rio houve também um descontrole da segurança pública que tornou o impacto para o setor ainda mais negativo — explica Leonardo Schneider, presidente do Secovi-Rio.

Arredores de comunidades como Pavão/Pavãozinho e Babilônia/Chapéu Mangueira e Rocinha, na Zona Sul; Rio das Pedras, na Zona Oeste; e Formiga, na Tijuca (Zona Norte), sofrem não apenas com o impacto negativo da violência no preço dos imóveis, mas com uma redução na demanda nessas regiões. Segundo as imobiliárias, já há cariocas trocando de bairro.

— A situação ainda não voltou aos patamares anteriores à implantação das UPPs, quando já havia bairros praticamente perdidos. Foi o caso da Tijuca. Lá atrás, o anúncio da chegada das UPPs ao bairro fez o preço dos imóveis disparar 30%. Agora, ao contrário, está empurrando o preço para baixo — diz Scheneider. — O impacto é sempre forte, para o bem e para o mal.

Do otimismo à devalorização - Nos três anos que antecederam a recessão, entre 2012 e 2015, lembra ele, o Rio viu o metro quadrado disparar com o crescimento econômico e os preparativos para Copa do Mundo e Olimpíada. Houve altas de até 78,9%, como ocorreu em Ramos, na Zona Norte. Na Tijuca, o salto foi de 40,6%, enquanto no Leme bateu 41,6%. Em São Cristóvão, a alta alcançou 42%. De 2015 para cá, porém, só este último amarga perda de 9,8%.

— No momento mais agudo, as construtoras evitam adquirir terrenos colados a áreas de risco ou adiam lançamentos. Mas são regiões que não deixarão de ser objeto de demanda para o carioca. São condições temporárias e que acreditamos que serão resolvidas — pondera Marco Adnet, diretor executivo da Tegra, antiga Brookfield.

Ele reconhece que houve, por exemplo, mudança no perfil de preço dos imóveis em São Cristóvão e na Zona Portuária, pela falta de estrutura que frustrou expectativas, mas a perspectiva, diz ele, é positiva:

— Estudamos o produto certo para essas regiões. Tem que caber no perfil de compra de quem pode e desejaria viver ali.

Por ora, o desejo do carioca é por mais segurança. Em janeiro e fevereiro, os roubos a residência saltaram 70% no Rio, para 221 ocorrências, na comparação com o primeiro bimestre de 2017, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Corretores de imóveis afirmam que os clientes estão orientando a demanda do mercado para as áreas consideradas de menos risco.

Rodrigo Barbosa, que dirige o site Morabilidade, especializado em unidades de alto padrão, cita a Gávea como um bairro duramente afetado pelos sucessivos conflitos ocorridos na Rocinha:

— Áreas que as pessoas apostaram recentemente em revitalização e melhora na segurança ao comprar um imóvel, como a Gávea, a região do Posto 6, em Copacabana, e São Conrado, estão com problemas pelo aumento da violência. Na Gávea, não se vende praticamente nada nos últimos seis meses, principalmente casas. A Escola Parque, razão para famílias que têm os filhos lá viverem no bairro, já anunciou que vai se mudar.

Do lado da venda, sai na frente quem oferece as melhores condições de segurança. Na busca por imóveis usados, aumentou a preferência do comprador por edifícios com serviço de portaria 24 horas, por exemplo.

— A análise da relação entre custo e benefício está ancorada na segurança. Portaria 24 horas pode fazer a taxa de condomínio dobrar. Ainda assim, é uma preocupação que existia no mercado de São Paulo e chegou ao Rio. Na hora de comprar, o carioca quer saber se há acesso livre ao edifício, se as ruas do entorno oferecem rotas de fuga — explica Barbosa, do Morabilidade.

A demanda aparece em todas as categorias, incluindo os projetos de moradia popular — que passaram incólumes pela crise econômica. A MRV, especializada em projetos incluídos no programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, adaptou o perfil de seus empreendimentos.

— O mercado do Rio dá grande peso à segurança. Acrescentamos novos elementos a nossos projetos, que já são construídos com cerca elétrica, guarita blindada, sistema de câmeras de monitoramento, botão de pânico e outros. Isso tem impulsionado vendas — conta Sandro Perin, gestor executivo de vendas da MRV para Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Bairros como Recreio ficam mais atraentes - Cansado da violência no Rio, o jornalista Márcio Rezende partiu para Vitória, no Espírito Santo, no fim de 2017. Um ano antes, ele e a mulher chegaram a procurar imóveis na cidade, e estiveram prestes a comprar um na Rua Uruguai, na Tijuca. No entanto, na semana em que fechariam o negócio, houve um tiroteio no local. Desistiram.

— Na época, nós tínhamos uma sensação de segurança um pouco maior. O Rio não vivia esse caos que vemos hoje. Mas já não compensava o investimento alto num imóvel tendo tiroteios na sua esquina. Hoje, eu não penso em voltar a morar na cidade — conta Rezende.

O lado positivo da queda nos preços dos imóveis no Rio é permitir um movimento de cariocas pela cidade. De acordo com as imobiliárias, há moradores de São Conrado, por exemplo, escolhendo mudar para o início da Barra da Tijuca — que se valorizou com a chegada do metrô — ou outros saindo da Zona Norte e da Baixada Fluminense para o Recreio ou Jacarepaguá.

— O Recreio está sendo beneficiado neste momento. O bairro sofreu com um excesso de oferta de imóveis novos e, com isso, queda nos preços. Mas, com os problemas de segurança em outras áreas do Rio, pessoas que vivem em bairros da Zona Norte ou da Baixada perceberam que há uma opção de metro quadrado mais acessível num bairro com serviços, perto da praia, menos vulnerável (à violência) — diz Márcio Cardoso, sócio presidente da Sawala Imobiliária, especializada em bairros da Zona Oeste.

FONTE: O GLOBO