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26/04/2023

Voto de Barroso na revisão do FGTS derruba atrasados, divide especialistas e pode não prevalecer (Folha de S.Paulo)

Supremo retoma nesta quinta-feira (27) julgamento sobre remuneração do Fundo de Garantia

O voto do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento da revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) tem dividido especialistas e poderá não prevalecer ao final do debate. O julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090, que discute a constitucionalidade da remuneração do saldo do Fundo de Garantia, está previsto para ser retomado nesta quinta-feira (27).

 

Barroso, que é relator da ação, defende que o FGTS tenha ao menos a remuneração da poupança. Hoje, o fundo rende 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial), que tem ficado próxima de zero. Já a caderneta paga atualmente 6,17% ao ano mais TR (veja simulações aqui).

O ministro limitou a decisão. Para ele, a mudança na correção do FGTS deve passar a valer apenas após a publicação da ata de julgamento do Supremo, sem pagar valores retroativos aos trabalhadores —nem mesmo a quem foi à Justiça—, que apontam perdas no fundo desde 1999.

 

Segundo Barroso, seria preciso haver uma lei aprovada pelo Congresso Nacional determinando o pagamento dos atrasados ou um acordo coletivo entre centrais sindicais e governo federal para quitação dos retroativos a quem entrou na Justiça.

Advogados, centrais sindicais, economistas e ativistas da causa se dividem quanto ao que foi definido pelo ministro. Até agora, além de Barroso, houve apenas o voto de André Mendonça, que acompanhou o relator, acrescentando que a TR é inconstitucional.

 

Para alguns, é correto definir mudanças daqui para frente, pois a dívida a ser paga —estimada em R$ 661 bilhões pelo governo— afetaria toda a sociedade. Outros apontam que a definição do ministro de indicar a remuneração da poupança como o mínimo que possa ser aplicado ao FGTS mostra uma vitória, porque traria ganhos melhores do que os atuais.

Há ainda quem acredite que não declarar a inconstitucionalidade da TR e barrar o pagamento dos atrasados é prejudicial aos trabalhadores, e o Supremo deveria reconsiderar.

 

O julgamento ainda não terminou. Faltam votos de ao menos mais seis ministros: Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Kássio Nunes Marques, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Edson Fachin. A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, não é obrigada a votar, mas também pode apresentar seu posicionamento. Com isso, a causa dos trabalhadores ainda não está definida.

O professor de matemática financeira José Dutra Vieira Sobrinho diz que o STF está discutindo a constitucionalidade da TR quando a sociedade ainda não entende o que é a taxa. Para ele, a TR é uma "coisa" e deveria ter sido derrubada há algum tempo, o que não ocorreu.

 

Dutra aponta, no entanto, que o caminho escolhido pelo ministro Barroso está correto. Para ele, é justo equiparar os rendimentos de FGTS e poupança, e determinar mudança na remuneração apenas para depósitos futuros, por se tratar de um passivo muito grande para o país.

"Esquece o passado, muda daqui para frente. Para você voltar ao passado e estabelecer alguma diferença, alguém terá de pagar. Então, a sociedade, de uma forma geral, vai perder. Poupadores poderão ganhar, mas alguém vai pagar a conta", diz.

 

O QUE PODE ACONTECER SE HOUVER DERROTA NO STF?

 

A advogada Tonia Galetti, coordenadora do departamento jurídico do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), acredita ser muito difícil o Supremo dar a revisão para períodos anteriores, por causa do valor econômico do caso.

Para ela, como ainda há possibilidade de derrota, já que o julgamento teve apenas dois votos, é "ruim, mas é bom" a decisão seguir pelo caminho apontado por Barroso. " É razoável, porque quem tem o dinheiro lá e for sacar depois vai receber um valor melhor. Agora, se perder, perde tudo mesmo, [não terá ganho] nem daqui para a frente."

 

A advogada acredita, no entanto, que a inconstitucionalidade da remuneração do FGTS será reconhecida pelo Supremo. "Quando se olham os princípios constitucionais, não tem como dizer que é constitucional porque fere princípios importantes."

 

DECISÃO É INCOERENTE, DIZ PRESIDENTE DE INSTITUTO

 

Mario Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, classifica a atual remuneração do fundo como confisco e discorda totalmente do voto de Barroso. Para ele, a TR deve ser declarada inconstitucional e os valores atrasados devem ser pagos ao menos a quem entrou com ação na Justiça para reclamar as perdas.

"Pagar para todo mundo é uma hipótese que eu descarto, mas para quem entrou com a ação é um princípio de direito", diz.

 

"É totalmente incoerente os demais ministros não reconhecerem a inconstitucionalidade. A TR não repõe a perda da inflação, e só para o Fundo de Garantia será usada?"

CENTRAIS DEFENDEM PAGAMENTO RETROATIVO, MAS COMEMORAM VITÓRIA INICIAL

Miguel Torres, presidente da Força Sindical, central que encomendou estudos indicando perda de 88,3% na remuneração do Fundo de Garantia entre 1999 e 2013, diz que a central avalia o julgamento como importante, mas quer o pagamento dos retroativos.

"Nós também entendemos que tem que ser retroativo. Sei que vai entrar na questão do valor da revisão, mas nós entendemos que tem que reconhecer [os atrasados], nem que a gente faça um acordo com o governo para que se pague. A gente espera terminar o julgamento para ver as ações que vamos tomar", diz.

 

Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), entende a decisão de corrigir os valores do fundo de forma futura, mas afirma que o movimento sindical quer uma saída para o pagamento dos atrasados.

"É, ao meu ver, um ganho muito relevante para os trabalhadores já ter a remuneração igual à poupança. Acho muito pertinente a ponderação do ministro Barroso, ela é bastante razoável. Achamos interessante ter uma conquista daqui para frente, mas é lógico que o movimento sindical não vai esquecer o passado, mas aí é uma segunda etapa", afirma.

 

Ariovaldo Camargo, secretário da CUT (Central Única dos Trabalhadores), afirma que a solução indicada por Barroso corrige um direito de remuneração que vem sendo negado. Para ele, a aplicação deveria ter "rendimentos superiores à caderneta de poupança".

Segundo Camargo, cabe à CUT orientar os trabalhadores e seus sindicatos a "buscarem uma forma de fazer a reversão do voto do ministro Barroso". Ele considera o voto do relator como "boa notícia", mas diz ter estranhado o posicionamento, já que, segundo a legislação, a lei pode retroagir quando for para beneficiar o cidadão. "É de se estranhar que o ministro Barroso tenha uma posição como essa", afirma.

 

ADVOGADOS AFIRMAM QUE RETROATIVOS NÃO PODERÃO SER COBRADOS SE VOTO SEGUIR COMO ESTÁ

 

A advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), acredita que STF irá negar o pagamento retroativo em razão do que chama de "vultuoso valor envolvido", mas entende que os trabalhadores têm direito de receber essa diferença.

"Acho que se o STF decidir que não pagará os atrasados, dificilmente isso deva ser revertido posteriormente", afirma.

 

Rômulo Saraiva, advogado e colunista da Folha, também afirma que há impossibilidade de receber os valores retroativos caso o Supremo aprove o voto de Barroso.

"Até agora, a decisão foi muito boa, mas para o banco. O voto apresentado reconhece uma injustiça, mas de forma incongruente não garante que esse direito retroaja. O FGTS é uma poupança compulsória que quase não corrige, enquanto o banco especula com esse patrimônio de cada trabalhador no mercado financeiro", afirma.

 

Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), entende que há direito de receber valores atrasados de ao menos cinco anos anteriores ao caso. "Ele até aventou a possibilidade de uma negociação coletiva, mas não disse como seria e não estabeleceu nenhum critério de como seria feito."

 

"Realmente a decisão ficou muito vaga e já fez uma modulação prospectiva. Temos que ver agora como ficarão os votos dos outros ministros. Não se sabe qual vai ser o desfecho desse julgamento", afirma.

 

MERCADO IMOBILIÁRIO PROJETA DEMISSÕES SE HOUVER MUDANÇA NO FGTS

 

Luiz França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), afirma que o mercado imobiliário prevê demissões se houver qualquer mudança no FGTS, já que o dinheiro do fundo é utilizado na compra da casa própria e para financiar projetos de habitação.

 

Segundo ele, hoje, uma família com renda de R$ 1.900 consegue financiar um imóvel de até R$ 180 mil. Se a remuneração do fundo for alterada, essa mesma família precisará ter uma renda de cerca de R$ 4.500 mensais para financiar imóvel no mesmo valor.

"Quando [Fundo de Garantia] viabiliza uma taxa de empréstimo que cabe no bolso desse cotista, está realmente fazendo com que ele possa pagar a casa própria. Ele está conseguindo uma coisa que não conseguiria normalmente", afirma.

 

Segundo dados da Abrainc, o setor emprega cerca de 2,7 milhões de trabalhadores por ano e a previsão é que caia para 1,3 milhão se houver diminuição na capacidade de compra da casa própria.

 

"Temos um déficit de 7,8 milhões de residências que, no futuro, serão 11 milhões de moradias. Temos problema crônico na moradia, principalmente para a baixa renda. Qualquer medida desbalanceando o fundo terá um impacto muito importante na questão. Moradia digna traz desenvolvimento do ponto de vista de saúde, educação e segurança.

Para ele, a decisão a ser tomada pelo Supremo deve observar "os impactos gerais que podem ocorrer para tomar".

 

ENTENDA A REVISÃO DO FGTS

 

A revisão do FGTS é uma ação judicial na qual se questiona a constitucionalidade da correção do dinheiro depositado no Fundo de Garantia.

O caso chegou ao Supremo em 2014, após o partido Solidariedade ingressar com uma ADI.

 

POR QUE SE QUESTIONA A CORREÇÃO DO DINHEIRO?

 

A TR tem rendimento muito baixo, próximo de zero, fazendo com que os trabalhadores não consigam repor seu poder de compra com o saldo do dinheiro do FGTS. Diversos cálculos apontam perdas que vão de 24% nos últimos dez anos a até 194% para quem tem valores no fundo desde 1999.

 

Em 2014, data do início da ação, estudo da Força Sindical mostrou que um trabalhador que tinha R$ 1.000 no ano de 1999 no Fundo de Garantia tinha, em 2013, R$ 1.340,47. Se fosse considerada a inflação medida pelo INPC, usado na correção de salários, o valor deveria ser de R$ 2.586,44, uma diferença de R$ 1.245,97.

Na defesa da correção maior, especialistas alegam que o dinheiro do FGTS é renda proveniente do salário e não pode trazer perdas, pois não se trata de um investimento.

 

QUAIS OS PRÓXIMOS PASSOS DA REVISÃO DO FGTS?

 

Agora, os trabalhadores devem esperar novos votos dos ministros e o final do julgamento. Além disso, após a decisão, se a revisão for realmente aprovada, poderá haver embargos de declaração, que é um pedido para esclarecer algum ponto da decisão, e ainda, a chamada modulação dos efeitos, que poderá restringir o alcance da revisão.

 

QUEM TEM DIREITO À REVISÃO?

 

Trabalhadores com dinheiro no fundo podem ter direito à correção maior. Segundo a Caixa, há 117 milhões de contas do Fundo de Garantia entre ativas e inativas.

Especialistas calculam que ao menos 70 milhões de trabalhadores podem ser beneficiados. É possível que um trabalhador tenha mais de uma conta, aberta a cada novo emprego com carteira assinada.

 

A expectativa é que todos tenham novos depósitos corrigidos pela nova regra a partir de então. Para definir questões como o pagamento de valores de anos anteriores, por exemplo, o STF terá de modular o tema.

FONTE: FOLHA DE S.PAULO